Com o crédito ao imobiliário e à habitação praticamente fechado, os bancos asfixiam a já debilitada economia angolana e transformam a vida das famílias num tormento.
A concessão de empréstimos e a facilidade de crédito estão entre as principais funções de um banco, mas isso está longe de suceder em Angola.
Apoiando-se no argumento do crédito malparado e da crise financeira, os bancos simplesmente fecharam a torneira do financiamento.
Os bancos privados angolanos são de criação recente. Os mais antigos celebram agora apenas 25 anos de actividade. Por falta de rodagem operacional e de banqueiros experientes, a sua maior aposta tem sido a bancarização de salários e o mercado cambial. Em certos momentos, parecem casas de câmbio – e péssimas!
Em resultado da sua fragilidade institucional e embevecidos pelo maná do petróleo, foram expandindo descontroladamente o crédito após a paz em Angola (2002), mesmo sabendo, antes disso, da experiência amarga da Caixa Geral Agrícola, que degenerou em falência.
Com a crise internacional de 2008, logo seguida da queda abrupta do preço do barril de petróleo, principal receita angolana, a generalidade da banca entrou em quase falência, sendo o caso mais evidente a extinção do Banco Espírito Santo Angola (BESA).
Crédito malparado
O extinção do BESA tem origem no crédito mal gerido. Apesar de, entre 2010 e 2015, o total do activo bancário ter registado o crescimento descomunal de 102%, à razão média anual de 15,4%, a qualidade do crédito era reduzida. No mesmo período, o crédito malparado cresceu 173%, com o brutal crescimento anual de 24,5%.
Mas, ainda assim, em 2015, quando Angola começou a sentir intensamente o choque petrolífero negativo, e apesar de o malparado ter duplicado nos três anos anteriores, os relatórios da KPMG ainda falavam em “altos indicadores bancários” e “elevados níveis de resiliência das principais instituições bancárias”.
Foi o período em que que se fazia vista grossa aos reais efeitos em Angola da grande depressão causada pelos “hedge funds” nos EUA e se entendia a crise como “uma oportunidade”.
Não imune a isso, o próprio Banco Nacional de Angola (BNA), no seu relatório e contas referente ao ano de 2017, publicado na semana passada, assinala, também ele, um aumento à exposição máxima ao risco de crédito e reconhece perdas por imparidade sobre os seus activos imobiliários.
Isso não impede, no entanto, o banco central de ter um fundo habitacional e o usar para financiar investimentos imobiliários dos funcionários. O relatório diz que o Conselho de Administração do BNA teve de fazer uma provisão de 22,7 mil milhões de kwanzas para esse fundo, de modo a financiar esse investimento de “cariz social”.
Para agravar, os parceiros internacionais dos bancos comerciais fecharam também a corrente de recursos cambiais que alimentava a megalomania.
Posição dos imobiliários
Face ao cenário crítico que eles próprios teceram, os bancos deixaram, pura e simplesmente, de conceder crédito, a começar pelo imobiliário e habitação, complicando a vida dos depositantes e servindo, em primeiro lugar, os seus colaboradores, numa relação de promiscuidade extremamente condenável.
Esta é a realidade presente. A questão agora é: como sair dela, reabrindo o crédito?
Acérrimo defensor do mercado imobiliário como mola impulsionadora da diversificação económica, o brasileiro Cleber Corrêa, CEO da mais activa imobiliária angolana e Vice-Presidente da Associação dos Profissionais Imobiliários de Angola (APIMA), vem defendendo a reactivação urgente do crédito imobiliário.
“O mercado imobiliário movimenta toda uma economia, ‘puxando’ consigo a indústria e serviços. Mas não existe mercado imobiliário activo sem crédito, e esse crédito vem dos bancos”, escreveu Corrêa num artigo publicado no semanário económico “Expansão”, de Luanda.
Citando dados do Banco Nacional de Angola (BNA), segundo os quais os bancos rejeitam 86% (!) dos pedidos de crédito habitacional, o principal gestor da Proimóveis diz que isso acontece porque o “único diploma” que garante o crédito imobiliário em Angola é a hipoteca.
“Ocorre que um incumprimento que ocorra sobre um imóvel hipotecado demora três anos para ser resolvido nos nossos tribunais, gerando o não interesse pelos bancos, uma vez que o dinheiro ficará parado todo esse tempo”, alerta Cléber Corrêa.
“Como resolver isso?”, pergunta Corrêa. E responde: “Aprovando um diploma alternativo ao financiamento habitacional que resolva, rapidamente, o incumprimento nos créditos imobiliários sem a intervenção de tribunais.”.
Segundo Cleber Corrêa, a proposta, designada “Alienação Fiduciária”, feita em 2011 pela APIMA ao Ministério da Justiça, mas não aprovada até hoje, permite que, sem recurso aos tribunais, um imóvel não pago seja leiloado, e a dívida devolvida ao banco, ficando este sem perder dinheiro e em condições de continuar a financiar.
Em Março deste ano, esta proposta da APIMA voltou a ser incluída num longo leque de “medidas para aquecer o mercado imobiliário” que foram apresentadas pela direcção da associação ao actual Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz.
Posição dos bancos
Do lado das instituições financeiras, de quem os depositantes se queixam, a posição tem outra abordagem. Em entrevista recente ao Jornal de Angola, o Presidente da Associação Angolana de Bancos (ABANC), Amílcar Silva, assegurou que os bancos continuam disponíveis para financiar projectos imobiliários, mas – ressalvou – somente para indivíduos com capacidade de endividamento.
Profundo conhecedor da realidade financeira, Amílcar Silva salientou que a crise económica em Angola deteriorou, de forma geral, as condições de financiamento, incluindo os salários, que na conjuntura actual, com uma inflação que já esteve em 30%, geram baixo poder de compra.
“O financiamento só é disponibilizado a pessoas que têm capacidade de pagar dívidas”, sublinhou Amílcar Silva, para quem outra razão do corte no financiamento bancário é que grande parte dos indivíduos que pretendem adquirir empréstimos para aquisição de imóveis já beneficiou de créditos, sem os liquidar.
Além disso, destaca o histórico bancário, o sector imobiliário privado não consegue comercializar os imóveis porque pratica “preços excessivos”, impedindo o cidadão de os comprar e arrefecendo também a economia.
O Presidente da ABANC apelou aos promotores imobiliários privados para, em vez de quererem vender tudo de uma só vez, enveredarem para o sistema de renda resolúvel, aplicando preços mais baixos e acessíveis, de modo a facilitarem a vida da população economicamente activa.
Quem sai prejudicado?
Os factos são estes. O crédito está fechado. As empresas imobiliárias, desejosas de voltar aos ganhos do passado, não baixam os preços e vêem a sua actividade prejudicada por falta de crédito. Os bancos, por seu lado, enredados na sua própria ineficiência, reclamam por não estarem a ser reembolsados dos fundos emprestados.
É evidente que uma economia como a angolana, que pretende ganhar a confiança dos investidores e revitalizar o crescimento, não pode dispensar o crédito ao imobiliário e à habitação, componente essencial da actividade empresarial e a vida familiar.
A ausência deste tipo de crédito, nas proporções devidas e bem controlado, constitui um obstáculo à recuperação económica de Angola.