A Assembleia Nacional aprovou ontem, na generalidade, a proposta de Lei da Expropriação por Utilidade Pública, que substitui o diploma colonial de 1968 e atribui o direito de declarar utilidade pública ao Presidente da República e ao Governador Provincial.
A proposta legislativa foi aprovada por 118 votos a favor, 54 contra e quatro abstenções.
Na apresentação da proposta de lei, a ministra do Ordenamento do Território e Habitação, Ana Paula de Carvalho, disse que o uso e ocupação dos solos por parte de particulares e os direitos neles constituídos colidem, muitas vezes, com o desenvolvimento de projectos estratégicos e de interesse da coletividade.
Segundo a ministra, a necessidade de se expropriar bens imóveis cresce exponencialmente, tendo em conta a desfragmentação de grande extensão urbana, dos principais centros populacionais do país, em que predomina a ausência transversal de infraestruturas e prevalece a insalubridade urbana.
Ana Paula de Carvalho frisou que o processo de urbanização, seja para expandir ou criar centros urbanos, renovar, reconverter áreas degradadas ou de ocupação informal, ou ainda requalificar ou regenerar zonas urbanas já consolidadas, implica inevitavelmente a expropriação de bens imóveis localizados naquelas zonas alvo de intervenção.
A lei em vigor no ordenamento jurídico angolano sobre expropriações por utilidade pública é regulada pela Lei 2030, de 22 de Junho de 1948, tornada extensível ao território da actual República de Angola pela portaria 14.507, de 19 de Agosto de 1953, e o seu regulamento aprovado por decreto nº 43.587 de 8 de Abril de 1961, que foi tornado também extensível ao território angolano pela portaria nº 23.404, de 17 de Junho de 1968.
A governante referiu que no âmbito da elaboração da proposta legislativa foi realizado um diagnóstico, tendo como estudo as práticas de expropriação e de realojamento na província de Luanda.
“Com esse diagnóstico foi possível comparar que em quase todos os casos não eram cumpridos os princípios e procedimentos de expropriação por utilidade pública pelos órgãos da administração pública, levando muitas vezes à violação de direitos legalmente constituídos e protegidos e a inviabilidade ou encerramento de determinados projectos”, salientou a ministra.
A proposta de lei estabelece que “só é admissível a expropriação sempre que a mesma vise a persecução de um interesse com utilidade pública e mediante justa e pronta indemnização”, informou Paula de Carvalho. “Deste modo propõe-se como procedimento inicial a tentativa de negociar a aquisição dos bens, por via do direito privado, salvo nos casos de expropriação especiais, antes de requerer a declaração de utilidade pública”, frisou.
A titular da pasta do Ordenamento do Território e Habitação disse ainda que a proposta de lei prevê que, após a apreciação do requerimento da expropriação, compete declarar a utilidade pública dos projectos ao Presidente da República sempre que a expropriação vise a implementação de um projecto estruturante ou tenha como fundamento a execução de projectos de interesse nacional, ou ao Governador Provincial sempre que as expropriações tenham âmbito provincial, estendendo-se aos municípios em que não tenham sido implementadas as autarquias.
Quando houver autarquias, a proposta de lei atribui esta competência ao seu presidente. “Só depois da declaração de utilidade pública é que pode a entidade expropriante notificar o proprietário ou possuidor sobre o interesse público e da necessidade de fazer a vistoria para proceder à avaliação do bem, através de um perito especialista inscrito na respectiva ordem profissional”, indicou.
De acordo com a ministra, a avaliação do bem a expropriar é de grande importância uma vez que permite à entidade expropriante e ao possuidor chegar a um acordo quanto ao valor da indemnização ou compensação e na falta de consenso pode a entidade expropriante fazer recurso à expropriação litigiosa através do sistema judicial para definir o montante da indemnização.
No entanto, a proposta legislativa estabelece que “os órgãos competentes da administração pública do Estado apenas podem tomar posse do bem a expropriar após o pagamento da referida indemnização equivalente, salvo nos casos de expropriação urgente”.
A aplicação desta proposta de lei é estendida à posse, desde que a mesma seja titulada pacífica e de boa-fé, ou seja, “a posse, certamente, vale menos que a propriedade, mas quando titulada deve ser indemnizada, ressarcindo-se o particular pela perda do património a transferir”, adiantou a ministra.
“O fundamento dessa opção prende-se com a necessidade de se dissuadir com a ocupação ilegal de terras e a consequente premiação dos seus ocupantes com direito a uma indemnização”, disse a governante angolana.
Por posse não titulada classifica a proposta legislativa “aquela obtida de forma ilegal, por via da ocupação de bens de domínio público. “E não deve ser objecto de justa e pronta indemnização por parte do Estado aos ocupantes, nas situações em que o Estado necessite dos terrenos para realizar qualquer empreitada pública, assim pressupõe-se que para estas situações se aplique a figura do realojamento”, explicou a ministra.
Esta proposta de lei dá a possibilidade de reversão aos particulares, lembrou a ministra, salientando que ela também funciona como forma de moralizar a atuação da administração na efectiva utilização do bem expropriado para o fim de utilidade púbica que esteve presente na respetiva declaração.
“Por outro lado, funciona ainda como forma de possibilitar aos populares expropriados a recuperação dos bens que não fossem aplicados ao fim que determinou a expropriação, mediante a restituição dos montantes da indemnização atribuída à entidade expropriante ou ao beneficiário da expropriação”, indicou a ministra.