O relatório “Angola Property Market, Balanço 2019, Perspectivas 2020”, da empresa Zenki Real Estate, publicado sexta-feira 6/11 em Luanda, faz depender a dinamização do mercado de investimento imobiliário angolano a três factores: retoma da economia, amadurecimento do mercado imobiliário e criação de condições efectivas de atractividade e captação de investimento estrangeiro.
A estudo da Zenki, distribuído como encarte da edição do semanário “Expansão”, diz que a economia angolana ainda sente os efeitos do choque sistémico causado pela crise do petróleo de 2014 e que se evidenciam na recessão dos últimos anos.
“Clima de incerteza”, “drástica quebra do consumo”, “conjuntura macroeconómica adversa” e “exposição a riscos externos”, são algumas das expressões usadas pelos autores do relatório para caracterizarem os factores que conduziram à redução da actividade imobiliária em Angola.
Acentuando o pessimismo que atravessa o documento, o estudo sublinha que a economia angolana vai voltar a contrair-se em 2019, pelo quarto ano consecutivo, e que o FMI, com quem o Governo assinou um acordo em Dezembro de 2018, tem alertado para os riscos a que o País está exposto.
Alguns desses riscos são o crescimento mundial inferior ao previsto, diminuição da produção de crude, choques na trajectória da dívida pública e repercussões negativas da transição para o regime de câmbio livre, decidido pelo BNA em Outubro último.
Em face disso, a Zenki Real Estate, afiliada da CIBRE que tem Diogo Rodrigues com Director-Geral em Angola, defende no relatório que “a retoma da economia, o amadurecimento do mercado imobiliário e a criação de condições efectivas de atractividade e captação de investimento estrangeiro são os pilares necessários para dinamizar o mercado de investimento imobiliário e inverter a tendência dos últimos anos”.
IVA e arrendamento
O estudo da Zenki Real Estate, empresa com vasta experiência internacional na prestação de serviços imobiliários, analisa o efeito de algumas reformas recentes promovidas pelo Estado: a introdução do IVA, em vigor desde 1 de Outubro, em período transitório até 1 de Janeiro de 2021, e a Lei do Arrendamento Urbano, de 2016.
Reconhecendo que o IVA não será aplicável transversalmente a todos as actividades imobiliárias, encontrando-se isentas as operações sujeitas a Sisa e o arrendamento destinado a habitação, o relatório destaca que este imposto “terá um impacto assimétrico no sector imobiliário, distinto da generalidade dos agentes econômicos”.
“Esta realidade”, enfatiza o relatório, “trará uma complexidade acrescida para aqueles que desenvolverem operações isentas e não isentas, não obstante ser assegurado o direito do IVA suportado nas operações não isentas através de um mecanismo ‘pro rata’ ou de afectação real.”
Sobre a Lei do Arrendamento Urbano, que em Janeiro de 2016 revogou a Lei do Inquilinato, de 1961, o estudo da Zenki refere-se a este diploma como uma lei que, embora não tivesse sido tão inovadora quanto o mercado pedia, “trouxe importantes alterações”.
Entre as alterações trazidas por esta lei esteve a obrigatoriedade da fixação das rendas em kwanzas e a possibilidade da cessação unilateral do arrendamento por parte do senhorio para contratos habitacionais de duração limitada de, pelo menos, cinco anos.
A nova lei veio regular também a possibilidade de actualização das rendas com base em coeficientes legais, limitando a utilização pelo senhorio de factores como a inflação e a desvalorização da moeda apenas aos contratos para habitação celebrados em regime de renda livre ou arrendamentos não habitacionais com prazo superior a cinco anos.
Os autores do estudo avançam com propostas para a melhoria da lei, sugerindo quer “a possibilidade de as partes preverem critérios de actualização alternativos aos coeficientes legais, aplicáveis a todo o tipo de contratos, independentemente do respectivo tipo ou duração”, quer a necessidade premente de regular no arrendamento a relação contratual entre lojistas e donos das superfícies comerciais, por se tratarem de “realidades totalmente distintas”.
Escritórios, residencial e logístico
Segundo a Zenki, o investimento no imobiliário nos primeiros anos da crise ainda se pautou por algum dinamismo, mas nos anos seguintes assistiu-se à redução da actividade, em resposta ao desfavorável contexto macroeconómico.
Em consequência, os níveis de comercialização registaram quedas significativas entre 2014 e 2019.
No segmento de escritórios, o relatório da Zenki refere que o ritmo de construção de novos escritórios diminuiu nesse período, apesar de ter proporcionado o crescimento elevado, mas qualitativamente moderado, do stock de escritórios que hoje se nota.
De 2014 para cá, segundo o estudo, os preços no arrendamento de escritórios caíram 68% na baixa de Luanda, de 72% na alta da cidade, de 76% na zona da Praia do Bispo e de 60% em Talatona. Em 2014, arrendar um escritório com 150 metros quadrados na baixa de Luanda custava, em média, 22.500 dólares, hoje custa 7.125 dólares.
Quanto à venda, um escritório que custava em 2014 cerca de 1,5 milhões de dólares, hoje vale 900 mil, representando uma queda de 41%. Em Talatona, o preço médio por metro quadrado caiu 28%, para 4.750 dólares, e na zona alta da cidade 40%, para 5.500 dólares.
Em compensação, segundo o estudo, em termos absolutos, actualmente o stock de escritórios é de aproximadamente de 1.000.000 m2 e a “vacancy rate” de cerca de 28%.
No segmento comércio, o relatório da Zenki diz que o clima de incerteza e a forte redução do consumo têm condicionado severamente a abertura de novas lojas de rua e a conclusão dos grandes projectos comerciais previstos para o centro de Luanda.
Em vez disso, surgiram novos conjuntos comerciais nas zonas de Morro Bento, Talatona, Kilamba, Viana e Cacuaco, o que tornou a periferia de Luanda uma zona de referência para este segmento.
De acordo com a avaliação, o stock disponível de conjuntos comerciais em Luanda é de 341.863 m2.
Quanto ao segmento industrial e logístico, o relatório diz que se mantém a tendência de demarcação das suas zonas de crescimento, embora o surgimento de novos projectos seja “inexpressivo” e a pouca construção se faça numa lógica de “owner-occupier”.
Evolução do segmento residencial
Quanto ao residencial, o estudo da Zenki Real Estate, empresa representada em mais de 100 países, assinala que o contínuo abrandamento dos níveis de novas construções imobiliárias foi de tal dimensão que se tornou “residual”.
Em resultado, mantém-se a falta de habitação para a maioria da população, de baixo e médio rendimento, além de que a solução encontrada pelo Estado, caracterizada pelo investimento intensivo, ficou comprometida com o incumprimento pelos “proprietários” das prestações da renda resolúvel, sem que o Estado tenha acionado a cláusula de recuperação dos imóveis.
Em termos de preços, os valores de venda prime de habitação em Luanda caíram entre 28% e 44%, em função da zona, desde 2014, enquanto as rendas prime de maior qualidade desceram entre 75% e 88%.
A Zenki assinala, entretanto, a entrada no mercado em 2019 de novos empreendimentos habitacionais localizados a sul de Luanda, nomeadamente dois condomínios de vivendas que totalizam 60 novos fogos residenciais, com conclusão no início de 2020, e do Condomínio Rosalinda, entre a Corimba e Talatona, que incrementou com 277 fogos a oferta de apartamentos.
No centro de Luanda, o estudo fala dos projectos na Ilha de Luanda, na Parcela 3 e na Avenida Murtala Mohammed, onde o promotor imobiliário de referência já está a concluir o seu segundo projecto residencial dos últimos quatro anos.
Nas zonas da Maianga e do Largo Serpa Pinto, faz alusão ao surgimento de dois novos empreendimentos, um com 64 fogos, entre apartamentos de tipologia T1 e T2, e o outro com 62 fogos, distribuídos pelas tipologias T1 a T4, ambos já concluídos.
Hotelaria e turismo
O segmento da hotelaria e turismo, com a saída de muitos expatriados de Angola, passou a depender quase em exclusivo do sector corporativo, em especial do sector petrolífero, situação se reflecte nos indicadores de operação dos hotéis, diz o estudo.
Este segmento foi ainda penalizado pela crise porque muitos acordos estabelecidos acabaram por ser cancelados, como ocorreu com o contrato para a gestão da TAAG celebrado com a Emirates e a parceira entre o grupo françês Accor e o angolano AAA, que levou cinco hotéis já em operação a perderem a marca Íbis, diz o relatório.
A Zenki Real Estate dedica, por fim, um capítulo do seu relatório ao imobiliário nas províncias, referindo que enquanto na província de Luanda já se encontra um imobiliário consolidado e relativamente dinâmico, dispondo de oferta para a procura nos diversos segmentos, nas restantes províncias há com “um imobiliário ainda num estado embrionário de desenvolvimento”.
Fé na mudança
Face aos vários constrangimentos vividos pelo sector, o estudo da Zenki deixa em aberto a possibilidade de o mercado imobiliário vir a melhorar com as previsões de retoma do crescimento económico anunciadas para 2020.
“Angola vive um período de mudança e de profunda transformação, tanto a nível institucional como a nível económico. A nível institucional e após a eleição do Presidente João Lourenço foi empossado o novo governo em Setembro de 2017 e as políticas aplicadas pelas autoridades representam, em muitos aspectos, uma ruptura com o passado”, diz, no preâmbulo, o relatório da empresa em Angola dirigida por Diogo Rodrigues.
“Em apenas dois anos”, frisa o preâmbulo, “o Governo implementou medidas corajosas contra interesses instalados, apoiou a melhoria da governação na administração pública e o combate à corrupção, implementou um Programa de Estabilização Macroeconómico sólido e comprometeu-se a apoiar o desenvolvimento humano e o crescimento sustentável e inclusivo ao abrigo de um Plano de Desenvolvimento Nacional.”