No meu artigo sobre a 10ª Cimeira dos BRICS publicado em Junho neste site destaquei a probabilidade de a guerra comercial de Trump provocar danos iguais aos causados pela grande depressão de 2008 com a crise do Lemahn Brothers.
Escrevi eu no artigo, intitulado “A Cimeira dos BRICS, a Infra-estrutura e a tensão comercial”, que a criação em 2014 do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), ligado ao grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, South Africa), fez renascer a esperança de os países subdesenvolvidos verem dissipar-se o espectro das dificuldades em obter financiamentos.
“Mas” – alertava eu – “se com isso se abriram melhores perspectivas para as economias mais frágeis do planeta, rapidamente a guerra comercial que hoje surge no horizonte veio colocar nuvens negras sobre os planos do BRICS, podendo provocar danos iguais aos causados pela grande depressão de 2008, que chegou a abrir crises políticas em alguns emergentes.”
Num segundo plano, acrescentava eu que, sendo a China é um dos países visados pela guerra comercial de Trump, Pequim não se limitaria a responder de maneira apropriada à guerra dos Estados Unidos, mas esperaria obter também a solidariedade dos seus parceiros, nomeadamente daqueles a quem fornece ajuda.
“Se é verdade que Pequim não impõe condições políticas para fornecer a sua ajuda, não quer dizer que a China não apele à solidariedade dos seus parceiros quando precisa. E face à guerra comercial de Washington, está hoje a precisar dessa solidariedade. É natural, portanto, que os parceiros do BRICS venham a retribuir-lhe a ajuda”, escrevi eu no artigo, datado de 27/06/2018, erradamente interpretado por alguns comentadores como um elogio às infra-estruturas construídas pela China em África.
O curso de acontecimentos veio confirmar a avaliação feita. Na cimeira de Joanesburgo, não apenas o grupo BRICS não se limitou a debater os seus projectos políticos e económicos, como também manifestou solidariedade com a China face à guerra comercial de Trump.
E novamente na recente reunião do Fórum de Cooperação África-China (FOCAC), que se realizou em Pequim com um um recorde na representação de África (apenas a Suazilândia esteve ausente) e no qual Angola esteve pela primeira vez com o Presidente João Lourenço, os parceiros da China, neste caso os africanos, colocaram-se também ao lado de Pequim defendendo o “multilateralismo”.
O eufemismo “multilateralismo” usado pelos países africanos no fórum de Pequim não escondeu a crítica clara às posições de Donald Trump, que penalizam a China, antes serviu para tranquilizar o gigante asiático por disponibilizar os 60 mil milhões de dólares adicionais que prometeu a África. Não iria o Presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat, apressar-se a fazer um “vibrante apelo” ao multilateralismo e a classificar o unilateralismo de “obstáculo ao surgimento de uma ordem mundial mais justa e justa” se não estivesse a falar de Trump, o que agradou a China.
Tudo isto significa que os países emergentes e os Estados africanos estão a envolver-se no choque económico entre Washington e Pequim, algo passível de consequências para ver no futuro.
Para já, e mais do que tudo, faço notar que há efectivamente hoje uma nova turbulência na economia mundial e que, quer por causa da escalada na guerra comercial de Trump quer por causa das crises que despontam em países emergentes, essa tensão vai afectar de modo particular as economias do BRICS e dos africanos, como avisou em meados de Julho o FMI.
Diante dessa concorrência internacional, como se posicionará cada bloco de países e cada país individualmente? Como se desdobrará Angola, cada vez mais apertada no garrote da dívida de 23 mil milhões de dólares à China e a precisar urgentemente de diversificar a economia e de criar emprego? Além da China, convém notar que outros três grandes parceiros económicos de Angola – Rússia, África do Sul e Brasil – estão a atravessar, cada um à sua maneira, situações que levantam os receios dos investidores.
A resposta de Angola requer visão e habilidade. África está a ser palco de uma renovada atenção das grandes potências. Em menos de quatro meses, Joanesburgo acolheu os BRICS e Pequim a África no seu todo. Em Março, os Estados Unidos enviaram o Secretário do Estados Rex Tillerson à Nigéria, Chade, Djibuti, Quénia e Etiópia e em finais de Agosto a Alemanha deslocou Ângela Merkel ao Senegal, Ghana e Nigéria, ao mesmo tempo que o Reino Unido despachava Theresa May para a África do Sul, Quénia, Nigéria e Ghana.
Esta renovada atenção a África é importante. As economias africanas, que apresentam um reconhecido potencial de crescimento, nomeadamente no rico sector imobiliário que dispõem, precisam de investimento que gere emprego e crescimento. O que fazer? Do meu ponto de vista, mais do que a preocupação em saber qual das grandes potências vai ficar com a parte de leão do bolo africano – se a China com a sua “cooperação win-win” ou os ocidentais com a tradicional ajuda condicionada – importa é concentrar os esforços no essencial: não perder de vista de que oportunidades de investimento como estas para África raramente a história oferece.