A 10ª Cimeira dos BRICS, que começou ontem em Joanesburgo, sob o lema “Colaboração para o Crescimento Inclusivo e Prosperidade Partilhada na 4ª Revolução Industrial”, volta a ter no centro dos debates a questão da infra-estrutura económica, necessidade vital para África e aposta forte da China, num contexto de tensão comercial mundial.
A anfitriã África do Sul leva à reunião propostas para a criação de um Grupo de Trabalho de Pacificação, construção de um Centro de Pesquisa de Vacinas do BRICS, utilização de energias limpas e empoderamento da mulher, mas o prato quente da cimeira é mesmo o desenvolvimento das infra-estruturas económicas.
Antes da cimeira, o Presidente da China, Xi Jinping, encetou uma “tourneé” por países africanos e árabes, que o levou aos Emiratos Árabes Unidos, Senegal e Ruanda, onde o tema da base económica necessária ao desenvolvimento foi o denominador comum.
No Senegal, a China financiou a construção de uma estrada que liga Dakar a Touba, a segunda cidade senegalesa, e um parque industrial na periferia da capital. No encravado Ruanda, segunda escala da digressão de Xi, está a ser construída uma linha férrea financiada por dinheiro chinês que ligará Kigali a Mombaça (Quénia), facilitando o acesso ruandês ao mar.
Depois da cimeira, o presidente chinês realizará uma visita de Estado à África do Sul e a questão da infra-estrutura económica voltará a estar no centro da mesa.
Sem concorrência
A visita de Xi a África e a cimeira dos BRICS têm lugar numa altura em que a América de Donald Trump mostra desinteresse por África e quando a Europa, tradicional parceira do continente, parece perder influência nesta região.
Sem concorrência no envolvimento económico africano, e apesar de ter também sentido os efeitos da crise que rebentou em 2008, o país da segunda economia mundial continua a financiar com elevados fundos as necessidades infra-estruturais de África. O caminho dos BRICS parece vir a ser o mesmo: encontrar vias de financiar o desenvolvimento económico.
Para o seu esforço, o gigante asiático apoia-se no poderoso Banco da China (BoC) e na sua extensão, o Fundo de Desenvolvimento China-África, que disponibilizou para os países africanos 10 mil milhões de dólares para investimentos na infra-estrutura económica, na capacidade de produção, na agricultura – e até nos “media”, área onde os chineses nunca tinham entrado.
“Nova Rota da Seda”
De maneira global e estratégica, a iniciativa chinesa de apoio aos esforços de desenvolvimento das infra-estruturas internacionais está resumida num projecto ambicioso, a “Nova Rota da Seda”, uma rede de linhas ferroviárias e rotas marítimas que ligará 70 países da Ásia, África, Europa e Oceânia.
Ao contrário da rota terrestre desenvolvida há 2.000 anos pelo explorador chinês Zhang Qian, que ligava a Europa e a Ásia, percorrendo a China, a Pérsia e o Império Romano, através da qual os homens de negócios transportavam seda e outras mercadorias em camelos ou cavalos, a “Nova Rota da Seda” aposta em transportes, tecnologias e energia modernos.
Ao projecto aderiram já países como a Índia, o Paquistão, a Rússia, a Nova Zelândia e a Polónia, num conjunto de Estados que compõem pelo menos um terço do PIB mundial.
Sem condições políticas
Em troca de matérias-primas, a China começou a construir infra-estruturas em África com tecnologia e financiamento chineses, financiando a construção ou reabilitação de mais de seis mil quilómetros de linhas ferroviárias em países como Angola, Etiópia, Quénia, Nigéria, Sudão ou Djibuti.
Para os africanos, a oferta financeira chinesa é particularmente atractiva e bem-vinda. Os dirigentes africanos acolhem bem a ideia de Pequim não interferir nos assuntos internos de cada Estado, contribuir para a paz e a estabilidade e, fundamentalmente, conceder dinheiro sem impor condições políticas.
A receptividade é boa, mesmo que haja críticas à qualidade das obras chinesas, à opacidade dos contratos ou a consequências para os países que deixarem de pagar as dívidas.
Tensão comercial
Com a criação, em Julho de 2014, do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do BRICS, uma espécie de “Banco Mundial dos BRICS”, com um capital inicial de 50 mil milhões de dólares, este grupo de países emergentes passou a ter um modelo semelhante ao padrão chinês.
Com o NBD renasceram as possibilidades de os países subdesenvolvidos verem dissipar-se o espectro permanente das dificuldades em obterem financiamentos, nomeadamente junto do FMI, para custearem a sua infra-estrutura económica.
Mas se com isso abriram-se melhores perspectivas para as economias mais frágeis do planeta, rapidamente a guerra comercial que hoje surge no horizonte veio colocar nuvens negras sobre os planos do BRICS, podendo provocar danos iguais aos causados pela grande depressão de 2008, que chegou a abrir crises políticas em alguns emergentes.
No primeiro dia da cimeira, os países do BRICS estão certamente cientes de que a tensão mundial gerada pela decisão de Donald Trump de rever as tarifas comerciais nos EUA será uma questão incontornável a debater em Joanesburgo, já que toda a economia global estará ameaçda pelas medidas norte-americanas.
Sendo certo que a China é um dos principais países visados pelas medidas norte-americanas, Pequim já avisou que responderá de maneira apropriada aos Estados Unidos.
Mas a resposta da China não ficará por aí. O Presidente Xi esperará também uma tomada de posição do BRICS. Se é verdade que Pequim não impõe condições políticas para fornecer a sua ajuda, não quer dizer que a China não apele à solidariedade dos seus parceiros quando precisa. E face à guerra comercial de Washington, está hoje a precisar dessa solidariedade. É natural, portanto, que os parceiros do BRICS venham a retribuir-lhe a ajuda.