Atingido fortemente pela crise, que começou há precisamente uma década, o sector imobiliário angolano demora a recuperar. O lançamento de projectos imobiliários caiu de forma drástica e a procura recuou. Devido à saída de expatriados e à redução da procura, a oferta disponível de imóveis é agora maior, mas os preços não estão ao alcance do comprador médio.
A equação no mercado imobiliário angolano descreve-se, assim, em poucas palavras.
Os proprietários de bens imobiliários continuam a raciocinar em dólares. Fizeram o seu investimento dentro do padrão cambial e exportador dos lucros e querem a todo o custo mantê-lo, sem ligar à mudança do mercado. Com a desvalorização do kwanza e a impossibilidade de retorno do investimento realizado, deixaram de vender e quedaram-se numa posição de expectativa. À espera de novidades, que venham da economia ou do Estado.
Ainda que a oferta seja insuficiente para as necessidades nacionais, o peso da oferta é hoje, sem dúvida, superior à procura. Na maior plataforma de negociação imobiliária, a AngoCasa, há pelo menos 3.200 imóveis em transacção. Se a isso juntarmos os imóveis dos operadores que não integram esse cartel, as casas das novas centralidades ainda não vendidas e as propriedades que circulam na corrente da especulação, a oferta é realmente elevada.
Mas os principais operadores do mercado não querem vender a qualquer preço nem em qualquer moeda. Preferem reter os imóveis, na expectativa de um regresso milagroso às altas taxas de rentabilidade do passado.
Sem negócios imobiliários fluidos, regulares e com transparência, assiste-se a uma situação de aparente paralisia neste mercado fundamental para as empresas, para as famílias e para a economia angolana. Expectativa dos empresários e quase paralisia dos negócios – assim vive hoje o mercado imobiliário angolano.
Empresários determinados
Mas, no meio de tudo, há quem resista. É de destacar a atitude corajosa dos promotores imobiliários mais determinados e apostados no mercado de Angola que continuam a desenvolver os seus projectos. A este nível, cabe particularizar a novidade que foi o anúncio da “nova abordagem” ao mercado feita pelo Grupo Boa Vida (GBV), num momento de marasmo geral. Partindo da premissa de que o modelo estatizado da economia “chegou ao fundo”, o GBV considerou que o futuro pertence agora à iniciativa privada e vai por aí adiante no seu caminho próprio.
Agindo dentro da perspicaz “nova abordagem”, o Grupo Boa Vida não aguarda por milagres, não pára as obras e continua a construir em Luanda aquele que é o maior empreendimento imobiliário do País – a Urbanização Boa Vida – dotada de cinco condomínios com todos os equipamentos sociais e sociais. Estranhamente, esta urbanização é objecto de uma restrição imposta pela Comissão do Mercado de Capitais (CMC) que continuar por resolver. Efeito, ainda, da concorrência desleal e dos monopólios?
De outro lado, em Luanda, também a promotora Adams Service não desanima com a crise e prossegue com as obras dos seus projectos Adams Village e Kussanguluka, este último destinado aos antigos combatentes, tendo já outros em carteira.
Mês parco em acontecimentos
Num mês de Junho ainda parco em acontecimentos no sector imobiliário, dois factos dignos de registo foram de assinalar.
No primeiro, o consórcio constituído pela mediadora Proimoveis, a promotora Era Urbanizadora e a cooperativa de crédito habitacional Casa Fácil procederam, finalmente, ao lançamento do condomínio Kikuxi Village, um projecto de 165 habitações T3 e T4 com todos os preceitos legais garantidos. Em simultâneo como a conclusão das primeiras casas da obra, foi lançada uma interessante campanha publicitária nas redes sociais, espaço onde se concentra o público-alvo da venda dos imóveis, dirigido a pessoas de rendimento médio.
No segundo facto do mês, o Grupo AAA inaugurou na cidade de Mbanza Kongo, classificada pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade, a sua 9ª unidade IU Hotel. A inauguração do novo IU Hotel, concretizada no momento em que se aproxima o primeiro aniversário da decisão da UNESCO, é um acontecimento de grande importância para o progresso da antiga capital do Reino do Congo, a braços com problemas de alojamento dos visitantes. E para o imobiliário angolano do turismo e hotelaria, que pretende atrair mais turistas para o País, é algo animador.
A voz autorizada de Isabel dos Santos
Voz autorizada na economia angolana, a empresária angolana Isabel dos Santos fez-se ouvir no mês de Junho acerca do mercado imobiliário. Num interessante artigo sobre os desafios que as cidades africanas têm pela frente, publicado no seu blog Sharing, a mulher mais rica de África segundo a Forbes defendeu os direitos de propriedade e destacou que o registo desses direitos “deve ser acompanhado por um mercado imobiliário dinâmico, no qual as populações possam trocar de habitação”.
No artigo, a empresária sublinhou que entre os maiores problemas que enfrentam as cidades africanas está o “rápido crescimento das zonas urbanas antes da construção das infra-estruturas adequadas” e que “adaptar novas infra-estruturas a uma cidade já desenvolvida pode custar três vezes mais do que no início do seu desenvolvimento urbanístico”.
A empresária sugeriu que sejam tomadas medidas que previnam essa tendência. “Antecipar a infra-estrutura antes da população chegar é, não só inteligente, como traz grandes vantagens de custo”, sublinhou. “Esta realidade é particularmente importante quando 2/3 das cidades africanas estão ainda por construir”, acrescentou.
Mais chamamentos e incentivos deste género, virados para a recuperação deste e de outros sectores da economia, são importantes para Angola e para África. Afastam o receio de que o necessário e urgente combate à corrupção e à impunidade representa uma perseguição aos negócios, aos empresários e aos quadros qualificados, e alargam o espectro de uma maior confiança no País.
As prioridades do Estado
A realidade geral do mercado imobiliário angolano continua a ser confrangedora. Vê-se tanto o Estado como as imobiliárias privadas a venderem imóveis inacabados, facto que descredibiliza o sector e promove o desordenamento urbanístico. Pelo meio, prolifera a especulação de casas e terrenos por pequenos agentes individuais e até por agentes públicos que procuram a pequena comissão em troca de um negócio rápido.
A expectativa dos empresários e do mercado imobiliário angolano recai, sobretudo, em medidas que venham do Estado. Ao contrário da perspectiva do Grupo GBV, muitos querem continuar a depender apenas do Estado. Exemplo disso são os contactos que os responsáveis da Associação de Proprietários Imobiliários de Angola (APIMA) têm vindo a efectuar com membros do Governo, propondo medidas que “aqueçam” o mercado e a ver se daí vem algum sinal de esperança.
Mas o mesmo Estado tem em mãos muitos assuntos quentes que precisa de resolver, entre eles, o rumo a dar ao seu Programa Nacional de Habitação, que inclui a complicada comercialização e gestão dos imóveis das novas centralidades, onde há inquilinos que não pagam as rendas, e o programa dos 200 fogos habitacionais em cada município, onde há projectos por concluir.
A política habitacional entrará, em breve, no debate das eleições autárquicas, previstas para 2020. O Governo precisa de resolver o problema do financiamento destinado à conclusão das infra-estruturas técnicas das novas centralidades, questão que tem dominado as preocupações da Ministra do Ordenamento do Território e Habitação, Ana Paula de Carvalho.
O mercado imobiliário angolano precisa de sair, rapidamente, do estado de choque em que se encontra.