O mercado imobiliário de Angola foi marcado em 2019 pela queda contínua dos preços, o pessimismo dos privados em divisarem uma saída para a crise no sector e uma surpreendente nova dinâmica do Estado.
Nas palavras de um destacado membro da Associação dos Profissionais Imobiliários de Angola (APIMA), 2019 foi um “ano mau” para o imobiliário. Em bruto, o pessimismo dos privados reside na falta de crédito e na burocracia ligada ao direito de superfície.
Thank you for reading this post, don't forget to subscribe!Thank you for reading this post, don't forget to subscribe!Por um lado, os privados têm razão. O financiamento ao mercado está em terreno inclinado praticamente desde 2009, depois da grande recessão nos EUA. A falta de fundos acentuou-se em 2014 com a queda do preço do petróleo. Mas a crise também revelou que o dinheiro que era investido no imobiliário vinha dos cofres do Estado.
A subida ao poder do Presidente João Lourenço, em substituição de José Eduardo dos Santos, que governou ao longo de 38 anos, no final dos quais fez a paz e recuperou a infraestrutura económica, foi acompanhada de promessas de reformas destinadas a acabar com monopólios, captar investimento e melhorar o ambiente de negócios.
As medidas já tomadas nesse sentido são, no entanto, ainda insuficientes para nutrir a confiança dos investidores, alguns dos quais não veem com bons olhos os processos judiciais contra parceiros do anterior regime, num país historicamente marcado por conflitualidade e criminalidade. E como a economia está toda ligada, à falta de financiamento e investimento junta-se uma desconfiança que as reformas ainda não removeram.
Mas se os privados têm razão quanto ao crédito e à precaução, também não se podem esquecer que eles próprios ajudaram a cavar a “letargia” em que mergulhou o sector imobiliário, sem que forneçam garantias hoje de que as más práticas vão mudar. Pelo contrário, em vez de delinearem soluções próprias ditadas pelo mercado, continuam a depositar expectativas na mesma mão caridosa do Estado.
Isso explica que, comparativamente ao passado, o desempenho da actividade privada este ano em termos de inaugurações tivesse sido mais pobre ainda. Os projectos privados inaugurados (e divulgados) resumiram-se ao Talatona Shopping, Supermercado Fresmart, dois hotéis do Grupo AAA, um em Talatona e outro em Saurimo.
Pelo meio ficaram as polémicas à volta da revogação de concessões de terrenos à Urbinvest e à venda pela empresa Jefran do mesmo imóvel a mais do que um cliente. Muito pouco para um mercado com tanto potencial imobiliário como o angolano.
O Estado, por seu lado, que tem compromissos políticos, não só com a habitação e a qualidade de vida dos cidadãos, mas também com a oposição, que pressiona para a rápida entrada no mundo desconhecido das autarquias, não pode ficar de braços cruzados. E não podendo aguardar ad eternum pelos parceiros privados, tem de fazer o seu próprio caminho.
Na pessoa da activa (como poucos governantes) Ministra do Ordenamento do Território e Habitação, a Arquitecta Ana Paula de Carvalho, o Governo desdobrou-se este ano na execução de importantes medidas de fundo para o sector, algumas das quais tiveram de passar mesmo pela ruptura com instituições de peso, sinalizando um verdadeiro abanão no imobiliário.
Uma dessas medidas protagonizadas pela Arquitecta e Ministra foi o afastamento de duas das grandes imobiliárias, Imogestin e Kora, da gestão e comercialização das novas centralidades e outros projectos habitacionais do Estado, responsabilidades essas que passaram para o Fundo de Fomento Habitacional (FFH), numa medida justificada com a necessidade de combater “monopólios” e garantir a observância das regras da concorrência.
Outro esforço notável da Arquitecta que deu frutos foi direccionado para a conclusão rápida das infraestruturas externas e equipamentos das centralidades já concluídas, de modo a possibilitar a sua inauguração e a entrega dos imóveis a moradores e empresários.
Em resultado desse esforço, se em 2018 o Governo inaugurou apenas uma nova centralidade, a de Quilumosso, no Uíge, com 1.010 apartamentos, em 2019 estreou quatro: Quilemba, na Huíla, com 8.000 habitações; Quibaúla, no Cuanza-Sul, com 2.010 casas; Luhongo, em Benguela, com 2.000 habitações; e Zango 5, em Luanda, com 7.964 fogos habitacionais. Foram ainda entregues as primeiras chaves das urbanizações Zango Zero e Zango 8.000.
Entre outras grandes medidas, o pelouro de Ana Paula de Carvalho começou também este ano a entregar os títulos de terras aos camponeses, aprovou 20 Planos Directores Municipais e anunciou a instalação do Cadastro Único de Terras, três instrumentos imprescindíveis para o ordenamento do território e a regulação do imobiliário, numa altura em que se prepara a reforma da tributação do património imobiliário, que passará a tributar os terrenos rústicos e agrícolas.
Já no final do ano, Ana Paula lançou a ousada campanha da venda de terrenos infraestruturados nos espaços adjacentes às centralidades do Kilamba e do Sequele. O impacto real desta campanha, cujo prazo de candidaturas se prolonga até 10 de Janeiro, está longe de ser avaliado, num contexto em que as experiências anteriores contribuíram apenas para agravar o crescimento urbano desordenado e caótico de Luanda, cidade que vai precisar de 1,4 milhões de casas até 2030.
Se esta nova estratégia de urbanização for bem-sucedida, será uma novidade.
Na esfera dos projectos falhados, 2019 assinalou o fim do programa da televisão pública dedicado ao imobiliário, o “Conexão Imobiliária”, o incumprimento da promessa da APIMA de realizar em Novembro um grande Fórum do Imobiliário, a passagem totalmente despercebida, tanto em promoção como em resultados, da feira da construção civil “Projecta 2019” e a promessa não cumprida pelo Ministério do Turismo e Hotelaria de privatização de cinco hotéis.
Se tivesse que premiar alguém em reconhecimento pelo trabalho desenvolvido em 2019 a favor do imobiliário, o Jornal do Imobiliário atribuiria essa distinção à Arquitecta Ana Paula de Carvalho, que mostrou empenho, determinação e obra palpável.